segunda-feira, 17 de agosto de 2009

De como fazer a guerra e não morrer por causa disso

O homo sapiens sapiens que, segundo o filósofo Jonh Huizinga, não sabe tanto assim, possui um instinto básico, o de sobrevivência, do qual derivou o instinto sexual, responsável pela procriação da espécie e o instinto de caça ao qual está associado uma dose considerável de violência, o que transformou nossos antepassados de simples presas ou animais carniceiros em predadores.
Como as atividades de caça demandavam muitas horas e às vezes muitos dias de espera, os homens desenvolveram o instinto do jogo ao qual está associado o instinto de competição.
Logo logo (alguns milênios) então os homens sentiram a necessidade de medir de maneira pacífica quem seria o mais forte e o mais rápido, sendo esta a origem dos primeiros esportes, porém o que a maioria de nós não se dá conta é que o esporte, especialmente os esportes coletivos e de contato físico direto são não somente uma espécie de “caça estilizada”, mas sobretudo uma guerra sem mortos, embora muitas vezes com feridos.
Não é a toa que embora em várias sociedades as atividades esportivas tenham existido, a popularização dessas práticas e a sua transformação em um negócio milionário só ocorreu quando as guerras se tornaram cada vez mais sangrentas, ou seja, especialmente depois de 1945, quando para utilizar uma palavra da minha infância, uma guerra “na vera” entre EUA e URSS significaria o fim da existência humana na terra, por isso tanto esforço das superpotências para chegar ao topo do quadro de medalhas nas olimpíadas, ou seja, a guerra “na brinca”.
Contudo, apesar das Olimpíadas, qualquer um que não more nos EUA sabe que o esporte mais popular do mundo é o futebol e claro que eu não estou aqui falando do futebol americano, esporte em que a comparação com a guerra seria mais fácil, falo do futebol sem qualificativos, do futebol e ponto final.
Reparem, como diria minha vó, as semelhanças entre uma coisa e outra, guerra e futebol. Tanto as torcidas quanto os times lembram exércitos, cada time com seus distintivos, mascotes e hinos e as torcidas com suas enormes bandeiras e gritos de guerra, no mínimo um pouco chulos.
O vocabulário militar foi largamente incorporado pelo futebol. Os goleiros são arqueiros, como os antigos soldados que usavam arco e flecha desde a antiguidade até a Idade média; o jogador mais experiente da equipe, em geral um zagueirão ou um volante meio truculento com cara de poucos amigos é o “Capitão” da equipe e o goleador do time é o “Artilheiro”, como os soldados responsáveis pelo arremesso de projeteis nos adversários, a princípios eram pedras, fogo grego, balas de canhão e hoje são morteiros e outros brinquedos de satanás.
Para não melindrar os mais sensíveis não vou citar gritos de guerras de torcidas como o famoso: Bota pra... Basta dizer que as torcidas sempre invocam expressões chulas ou alguma imagem aterradora. Assim, entre os clubes brasileiros ninguém conhece, por exemplo, uma galera com o nome de “Beija-flores da leal”. Nada disso, ninguém respeitaria uma torcida com esse nome. As torcidas portanto chamam: Gaviões da Fiel (Corinthians), Mancha Verde (Palmeiras), Inferno Coral (Santa Cruz), Máfia Azul (Cruzeiro) e etc.
Os hinos, quase todos marchas militares, trazem imagens de guerra: heróis, esforço, sangue, luta, morte. Assim, para não dizerem que eu estou mentindo seguem alguns exemplos:
Começando com o hino do Palmeiras:

Quando surge o alviverde imponente
No gramado em que a luta o aguarda
Sabe bem o que vem pela frente
Que a dureza do prélio não tarda

Na mesma toada segue o hino do Auto-Esporte

Esperando confiante, a vitória conseguir
A luta contra tudo e contra todos começou
O Auto Esporte vai mostrar o seu valor

O Centro Esportivo Alagoano mais conhecido como CSA vai um pouco além:

Azulinos impávidos e fortes
Enfrentemos os nossos rivais
Nosso time não tem adversários
Não seremos vencidos jamais

No que é seguido pelo Fortaleza:

No campo,
provaste mesmo que não tens rival,
tua turma é valente, é sensacional,
salve o Tricolor de Aço.
Soberbo,
tua fibra representa um norte,
combativo, aguerrido, vibrante e forte.
Sem demonstrar cansaço,

A Desportiva Ferroviária vai no mesmo diapasão:

Vencer, vencer, vencer!
É o grito da torcida que desperta.
O suor grená de suas lutas
Parece sangue que corre em nossas veias.

Por fim o hino do Paysandu é praticamente uma canção de guerra:

Cada um de nos guarda no peito...
Somos jovens e ousados paladinos,
E sempre achar-nos-hão de gladio nu,
Elevando nos prélios mais ferinos
Com honra o pavilhão do Paysandu
Cada um de nós guarda no peito...
Amamos os cambates! e na luta,
Como antigos heróis nos comportamos,
Por isso a voz do público se escuta,
Saudar o Paysandu com meus aclamos
Cada um de nós guarda no peito...

Porém a apoteose vem com o hino do Atlético paranaense:

ATLÉTICO ! ATLÉTICO ! ...
A TRADIÇÃO, VIGOR SEM JAÇA,
NOS LEGOU O SANGUE FORTE,
RUBRO-NEGRO É QUEM TEM RAÇA,
E NÃO TEME A PRÓPRIA MORTE.

A linguagem da guerra não está apenas nos hinos, mas nos qualificativos pelos quais são conhecidos os times: o Timão (Corinthians), o Verdão (Palmeiras), o Mengão (Flamengo), o Papão da Curuzu (Paysandu) e outros ãos menos cotados, o Glorioso (Botafogo), o Gigante da Colina (Vasco da Gama), o Furacão (Atlético paranaense), o Leão da Ilha (Sport Recife), o Tubarão da Barra (Ferroviário), o Tricolor de Aço (Fortaleza) e etc.
Por fim como diriam os velhos que ainda ouvem o jogo apenas no rádio, atacante bom é um centro-avante “MATADOR” e de preferência com um nome que intimide ou que faça referência a alguma habilidade estupenda ou algum atributo extraordinário, ou que apenas soe grandiloqüente assim como: Leônidas da Silva, o Diamante Negro; Vavá, o peito de aço; Dadá Maravilha; Roberto Cavalo; Paulo Bala; Euler, o filho do vento; Edmundo, o Animal; Kléber, o Gladiador; Ronaldo Fenômeno.
É verdade que esses novos guerreiros não arriscam a vida e ultimamente tem trocado constantemente de exército, porém o torcedor não tem essa mesma chance, um time é como um filho, é pra sempre, depois, o esporte é só uma simulação da guerra, onde não deve morrer ninguém, embora algumas torcidas organizadas formadas por obtusos torcedores não tenham entendido muito bem isso e continuem fazendo de cada jogo uma ocasião para uma pequena guerra particular que não deixa de fazer pelo menos uma vítima a cada campeonato. Para eles o futebol não é um simulacro de guerra é a guerra possível.

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