Certa vez, enquanto pacientemente esperava a entrega das provas periodais dos meus alunos de história contemporânea, eis que entra na sala o professor Gilvan Pedras, assaltado por uma dúvida cruel, e que não pode refrear por mais tempo. O distinto colega veio me perguntar se eu compreenderia a expressão “ser escatológico”. Não pude conter meu entusiasmo e admiração, confesso até que fiquei sumamente espantado diante de tal descoberta, pois a expressão era exata e fruto de anos de esforços do referido professor, que como eu, também se dedicava ao paciente e ingrato estudo da escatologia, porém, mesmo surpreso com o formidável achado, que para a escatologia, tenho certeza que terá o mesmo impacto que as descobertas de Newton para a física, respondi que sim, que a expressão era exata, pois se me recordo bem das aulas de filosofia, o ser é aquilo que é, e a escatologia é o estudo do final dos tempos ou do destino dos alimentos, isto é, das fezes, desse modo, o ser escatológico seria, ou o ser apocalíptico, que presidiria ao fim de todos nós, ou a grande merda que resume o começo e o fim dos tempos. Esta, portanto, é a genialidade do professor Gilvan, com quem tive o prazer de conviver por cerca de dez meses da minha ainda curta existência na terra, ou seja, se dar conta do óbvio, que o mundo não é apenas uma grande merda, mas que nós, homens de nenhuma fé, somos igualmente filhos dessa grande merda inicial, somos merdas excretadas da grande merda cósmica, merda que tornar-se-á outra vez una no final dos tempos, pois o ser escatológico é a verdade, é a expressão que resume o sentido da vida, a razão de ser do universo, a pedra filosofal e por que não dizer à beleza. O ser escatológico é a revolução, a liberdade e a felicidade e foi com uma alegria incomum que comuniquei ao professor Gilvan a grandiosidade da sua descoberta.
Foi assim, que a partir daquele exato instante, deixei de partilhar das idéias do meu primo e guru, Rinaldo da Silva Ribeiro, cuja teoria da criatura indefecável, naquela época, atraía a atenção de todos os escatólogos, inclusive eu. Por essa teoria a merda não seria aquilo que resumiria tudo, a coisa a que todas as coisas poderiam ser reduzidas, pois segundo ela, existiriam pessoas tão desagradáveis, que não teriam a suprema felicidade de se transformar em bosta, estes seriam os seres indefecáveis, porém, ao ouvir as deliciosas palavras do professor Gilvan Pedras, descri desses vampiros da escatologia, que são as criaturas indefecáveis, e lembrei do aforismo merdo-democrático do meu distinto amigo e escatologista, descendente de uma longa e invejável estirpe de forçudos e cagões, Emanuel Coentro, a de que, “no fundo, no fundo, todo mundo é redondo”, e eu acrescentaria, pregueado, o que era a pá de cal na teoria do meu primo, pois a existência do orifício anal, cujo nome não nomeio, é a prova cabal que o último grande mistério da humanidade foi desvendado, que o último grande segredo foi explicado; de hoje por diante o homem não precisa mais ser enfezado ou angustiado, o que pensando bem é a mesma coisa, pois a teoria do ser escatológico esclarece tudo, tudo que até agora só sabiam os loucos ou os iluminados, a verdade absoluta, para alguns até então intangível, a de que tudo é uma grande, gigantesca e colossal merda. Eis o sentido de tudo.
Carlos Ribeirão Nascentes Fontes
Escatólogo e escatologista.
sábado, 20 de agosto de 2011
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