quarta-feira, 27 de junho de 2012

Joga no mato

O Brasil foi criado sobre a égide do precário, do provisório, do quem vier depois que se arranje e, talvez por isso, tudo em nossas cidades seja feito para não durar, até mesmo nossos jardins são inacabados.
Tudo é feito de afogadilho, sem planejamento, sem medir as consequências. Assim, que importa construir perto do rio e depois ser afogado por um tsunami de água suja, lixo e bosta; por que não criar camarões em mangues, mesmo que isso mate os caranguejos; porque não levantar um prédio em uma ruazinha minúscula e depois ter um mini-engarrafamento na porta de casa?
Mas, o curioso disso tudo é que embora tudo seja feito para ser refeito daqui a cinco anos se acredita, nós acreditamos, que não faltará matéria-prima e energia para nada, pois nossos recursos naturais são inesgotáveis e durarão para sempre, pois essa é a terra da fartura onde se plantando tudo dá e assim seguimos abrindo o chuveiro como se não houvesse amanhã, acendendo luzes para que a noite seja mais clara que o dia, jogando comida fora, exportando minério de ferro e importando aço.
No Brasil até os animais domésticos não comem qualquer coisa.
E se algo não presta mais, basta, como diria minha vó, jogar no mato.
E o resultado disso tudo, bem, o resultado é que quase não existe mato, por que as siderúrgicas do interior de Minas Gerais e a padaria da esquina da minha rua usam lenha como combustível.
O resultado desse mau encontro do precário com o desperdício é que os grandes rios que cortam nossos estados estão assoreados e os pequenos rios e as baías que enfeitam nossas cidades são corredores ou desaguadouros de fezes.
O resultado é que coroamos um dos pontos mais belos do nosso litoral com duas, que logo serão três, usinas atômicas, que, ao que parece e sem os devidos cuidados, liberamos a plantação de sementes transgênicas, ao mesmo tempo em que nossos porcos comem lixo e distribuem cisticercose para os apressadinhos.
O resultado de tudo isso é que temos que pagar mais um imposto, sim, mais um imposto e o cobrador implacável é um mosquitinho preto e branco que deixamos crescer e se multiplicar por conta do nosso desleixo.
E olha que as consequências da nossa incúria ainda não podem ser sentidas de todo, embora o preço a ser pago por ela aumente a cada dia, seja na quantidade de quilômetros de engarrafamento, mesmo nas cidades médias; na diminuição do tamanho dos apartamentos e no cimento que, como uma substância alienígena, toma conta de tudo, invadindo quintais, jardins e praças.
Mas, chegará o tempo e ele não tardará em que os peixes do mar custarão mais caros que caviar de esturjão, em que frutas como as jabuticabas, os jambos, os cajás, as mangabas, as pinhas, as graviolas e quem sabe até mesmo as jacas e as mangas serão apenas água na boca dos velhos e sabores inimagináveis nos sonhos dos jovens.
Chegará o tempo, e para alguns ele já chegou, em que só restará aos pobres e remediados consumir embutidos e enlatados de péssima qualidade e a falsa comida que nos faz acreditar que o bagaço de certas frutas temperado com uma enxurrada de produtos químicos tem o mesmo sabor de uma galinha caipira.
Pobre de nós, condenados a pseudo atum ralado, empanado de frango e refresco vendido em pó.

Nenhum comentário:

Postar um comentário