quarta-feira, 27 de junho de 2012

O Eu de Augusto dos Anjos permanece entre os vivos

Hoje, 06 de junho de 2012, faz cem anos que o único livro do poeta Augusto dos Anjos foi publicado.
Não que algum editor tenha tido a sabedoria de publicá-lo pagando ao autor. Não, o livro foi custeado, se não me falha a memória, por um irmão do poeta e seu amigo, o escritor Orris Soares.
E o Eu de Augusto dos Anjos, singular até no título, encontrou ouvidos moucos ou deboche dos parnasianos, que ainda possuíam o mandato do céu das letras nacionais.
Quanto ao poeta, bem, o poeta morreu logo depois, ainda moço, de tuberculose, como ainda era costume entre os portadores da “loucura sagrada”.
Morreu longe da terra em que nasceu, o engenho Pau d’ arco, em Sapé, e as ruas da velha cidade da Parahyba do Norte, em que viveu e as pontes do Recife que visitava com alguma frequência. Morreu em uma cidadezinha de Minas Gerais, Leopoldina, que ainda hoje reverencia sua memória.
Porém, sua poesia, como uma moléstia contagiosa, se espalhou pelo Brasil inteiro e chegou mesmo a ganhar versões em outras línguas, como o espanhol e o alemão.
Não sei se nesses outros idiomas a força do poeta se mantem, mas acredito que sim, pois a poesia de Augusto dos Anjos é visceral e sincera. Há em cada verso fascínio e medo da morte; medo e fascínio da vida. Vida e morte que são as faces de uma mesma moeda, que ninguém nunca soube quanto vale.
Augusto dos Anjos era magro, feio e pálido, mas sua poesia é pujante, dolorosa e eterna.
Para mim, igualmente feio e magro e também poeta a poesia de Augusto dos Anjos foi um deslumbramento, mesmo que algumas palavras tivessem cheiro e gosto de mundos desconhecidos.
Poeta inimitável, nunca quis segui-lo, mas estudei um pouco sobre sua vida e cheguei a percorrer os lugares que o autor dos “Versos íntimos” percorreu.
Pra que?
Não sei, mas sinto que ele é da minha família, que compreenderia o terror pânico que muitos de nós sentimos diante da vida/morte.
No entanto, muito pouco sobrou da sua passagem na antiga Parahyba do Norte, porém, não há o que lamentar, pois o grande legado de qualquer poeta são os versos e esses ficaram.
Durante muito tempo estiveram na boca de boêmios e dipsomaníacos, hoje estão nas teses de doutores, nas universidades, porém não é apenas um ou outro jovem que encontra esse livrinho, o Eu, e dedica-lhe grande atenção durante anos, são vários, e é assim que o poeta da dor e da raiva se perpetua.
Hoje faz cem anos que o Eu, de Augusto dos Anjos, foi publicado, e hoje também, eu, poeta quase inédito e incógnito, encontrei outro poeta, o andarilho, Valter Di Láscio, que desde os anos setenta viaja come, bebe, sobretudo bebe e sente, o Brasil.
Pensei em pará-lo e perguntar se já leu Augusto dos Anjos e alguma coisa assim, mas o poeta já tocado de aguardente ia com pressa e eu continuei calado.
Quem sabe um dia não encontre os dois, naquele lugar, sob o céu de Samarcanda, em Passárgada, no pais de São Sarue, onde vivem eternamente os poetas dignos desse nome, onde Fernando Pessoa e Leandro Gomes de Barros, esperam alguém para continuar bebendo e conversando.
Quem sabe...

Nenhum comentário:

Postar um comentário